Como pensam os ‘dois lados da moeda’ a respeito da retroatividade das normas previstas na Lei n.º 14.230/21?

A recém-publicada Lei n.º 14.230/21 reformou incisivamente a já desgastada Lei n.º 8.429/1992, promovendo não somente uma atualização da legislação, mas verdadeira modificação do regime legal de combate à improbidade administrativa.

Essa constatação não significa, necessariamente, que a alteração da lei seja negativa ou positiva – este tipo de afirmação demandaria uma análise mais aprofundada a respeito da Lei, o que não é, por ora, o nosso objetivo.

A Lei n.º 14.230/21 trouxe mudanças na tipificação dos atos de improbidade, sanções e sua respectiva dosimetria, prazos prescricionais e inúmeras normas processuais (desaparecimento da figura da defesa prévia, nulidades da sentença, cabimento de recursos etc).

Todavia, remanesce uma questão de salutar importância que é alvo de intensos debates por advogados, juízes e membros do Ministério Público: a retroatividade das modificações trazidas pela Lei n.º 14.230/21.

O presente artigo não pretende, em tese, perfilhar-se expressamente a alguma das correntes atualmente debatidas, mas expor os principais argumentos utilizados para a defesa de cada posicionamento com a pretensão de sintetizar o debate e confrontar as diferentes ideias.

Nesse sentido, tem-se que a corrente que entende que a Lei n.º 14.230/21 não retroage no tempo, ainda que preveja normas mais benéficas ao réu, fundamenta-se nos seguintes conceitos: (i) a retroatividade da legislação encontraria óbice no art. 37, §4º, da CRFB/88 como forma de impedir o retrocesso no combate à corrupção; (ii) a existência de significativas mudanças no regime legal, especialmente quanto à reformulação de tipos e sanções, impederia a retroação da lei; (iii) embora a Lei n.º 14.230/21 integre o chamado Direito Administrativo Sancionador, a ela não se aplicaria o princípio da retroatividade previsto no artigo 5º, XL, da CRFB/88; (iv) a Lei n.º 14.230/21 não prevê qualquer regra a respeito da possibilidade de retroatividade de seus dispositivos; e (v) a retroatividade da Lei n.º 14.230/21 violaria compromissos internacionais de combate à corrupção e improbidade assumidos pelo Brasil.

Por outro lado, a corrente oposta – que entende pela retroatividade da Lei n.º 14.230/21 – defende que (i) o Direito Administrativo Sancionador é expressão do poder punitivo estatal tal qual o Direito Penal (por vezes, até mais grave), razão pela qual aplica-se o artigo 5º, XL, da CRFB/88 naquilo que a lei for mais benéfica; (ii) o artigo 1º, §4º, da Lei 8.429/1992 com a redação dada pela Lei n.º 14.230/21 determina a aplicação dos princípios do Direito Administrativo Sancionador, dentre os quais, conforme defende a doutrina, encontra-se o princípio da retroatividade da norma mais benéfica; (iii) a abolição/exclusão de determinadas condutas típicas de improbidade implicaria na falta de interesse pelo Estado em punir o agente, tendo em vista que o regime legal não reprova mais a conduta; e (iv) o artigo 9º do Pacto de San José da Costa Rica, aderido pelo Brasil, prevê a aplicação do princípio da retroatividade da norma mais benéfica sem realizar qualquer distinção entre a natureza da norma (se penal ou administrativa).

Por enquanto, não há manifestações conclusivas do Poder Judiciário a respeito do tema, tornando necessário o acompanhamento da questão com a devida atenção. É relevante destacar que eventual entendimento pela retroatividade das modificações benéficas previstas pela Lei n.º 14.230/21 pode impactar decisivamente o desfecho de ações de improbidade que já foram propostas pelo Ministério Público e, inclusive, julgadas pelo Poder Judiciário.

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